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O que fazer quando o autor de uma obra que amo se revela um criminoso?

Foto do escritor: Lúcia LemosLúcia Lemos

Olá, pessoal!


Este texto será uma longa conversa de leitor para leitor. Contudo, deixarei também minhas opiniões como escritora, pois podem ajudar a refletir sobre este tema tão delicado. Quero conversar principalmente com aqueles que eram grandes fãs de Neil Gaiman e de outros autores que se tornaram criminosos ou extremistas recentemente. Peço humildemente que leiam do começo ao fim.


As últimas notícias Gaiman pegaram muitos fãs de surpresa e me incluo nesse grupo. O artigo que descreve como ele abusava de mulheres me fez passar mal, e acredito que muitas outras mulheres se sentiram assim. Inclusive, se você sofre com gatilhos com descrições de abuso sexual, não recomendo a leitura, pois o texto foi extremamente explícito. Caso não esteja sabendo sobre o que está acontecendo, recomendo ler os resumos da BBC e do Globo.

Dito isto, agora que você está informado, vamos conversar.


A resposta mais correta para a pergunta-título é: parar de consumir as obras do autor criminoso. Afinal, o autor ainda vivo usará o dinheiro de suas obras para viver e, talvez, continuar a cometer crimes. Imagino (e espero) que você não se senta bem sabendo que seu suado dinheirinho está indo para as mãos de um criminoso. No caso de Neil Gaiman, as vítimas contam que ele se aproveitou de sua fama e fortuna para silenciá-las.


Contudo, você deve estar se perguntando o que fazer se você é um grande fã das obras dele, ou de obras de outros autores acusados de crimes absurdos. O que fazer se você tem camisas, bonecos, talvez até um autógrafo? E se teve uma sua fanart reconhecida por um deles nas redes sociais? Se você mantém fóruns ou grupos dedicados a alguma obra? Ou mesmo, você cresceu lendo tais obras; fez grandes amigos e vive literalmente no meio nerd entre outros fãs... O que fazer nestes casos?


Gostaria de deixar minha humilde opinião pessoal e contar o que fiz quando passei por situações semelhantes. Como alguns de vocês sabem, sou escritora e ilustradora. Mas gostaria de dar minha opinião como leitora primeiro. Sou uma grande nerd e otaku, então, estou sempre envolvida com fandons e acompanhando lançamentos, principalmente animes, mangás e livros. Muitas obras marcaram minha infância.


Confesso que não era uma super fã de Neil Gaiman, apenas gostava de algumas obras. Estava começando a ler mais por causa da série Sandman da Netflix. Assisti uma ou outra adaptação de seus livros, como Coraline, mas pelo que lia, sempre me pareceu que era autor que respeitava mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+. Muitos colegas meus que são artistas fazem fanarts de Sandman, Good Omens e etc., o que também servia de recomendação do que eu poderia ler. Tenho uma antiga aquarela de Sandman postada no meu Instagram, de 2015, pois eu gostava de um conto spin-off de Sandman com ilustrações do Yoshitaka Amano, um dos meus artistas japoneses favoritos.

Estava nos meus planos tentar ler toda a Hq de Sandman, já que o que havia lido era um spin-off, e a série da Netflix era interessante. Além disso, sempre me disseram que as obras de Gaiman tinham grandes personagens femininas e respeito a minorias, questões que são muito importantes para mim.


Quando eu li que Neil Gaiman é um predador sexual que, além de violentar suas vítimas, usava de seu poder financeiro e influência para silencia-las, olhei para as HQs e livros na minha estante... E meu estômago embrulhou. Abri cada um deles e mesmo todos sendo ricamente ilustrados, toda a “magia” se desfez. Havia apenas asco. Pensei em talvez arrancar as páginas ilustradas pelo Amano em Sandman, mas não consegui. Peguei tudo e joguei no lixo. Fazer isso me trouxe certo alívio depois do choque.


Como postei nas minhas redes sociais, é a quarta vez que isso acontece comigo. Por isso até postei o meme do CJ do GTA dizendo “Okay, lá vamos nós novo”.

A primeira vez foi com Marion Zimmer Bradley (autora de “As Brumas de Avalon”). Em 2014, a filha dela contou que sofreu abusos sexuais por parte da autora, sua própria mãe. E o marido de Marion também é acusado de crimes sexuais contra crianças, sob a proteção da autora. Eu já não tinha mais os livros, pois havia doado para uma amiga. Mesmo sem ter os livros, fiquei muito mal.


Talvez alguns de vocês não saibam, mas, quando eu era criança, fui vítima de abusos sexuais pelo meu avô materno. Um trauma que estou tratando até hoje, de muitas cicatrizes. Por vezes, contei como os animes, mangás e livros me ajudaram a lidar com as memórias e os medos. Claro, não descrevo o que houve para que ninguém passe mal.


Foi quando veio a segunda decepção.


Em 2017, o mangaka (autor e ilustrador de mangás) chamado Nobuhiro Watsuki foi preso por ter DVDs de pornografia infantil. Infelizmente, ele ficou preso por pouco tempo porque pagou fiança. E a sociedade japonesa deixou para lá. Essa dor talvez tenha sido a maior de todas, pois além de consumir Samurai X há muitos anos, eu acompanhava os pequenos textos que o autor deixava, com dicas sobre a vida de mangaka, e assisti palestras dele e de sua esposa, que vieram ao Brasil em 2015, contado como era o processo de criar mangás. Todo meu processo de criação de mangá foi aprendido com os dois. Por muito pouco, eu não consegui um autógrafo diretamente da mão do Watsuki em um evento. Mas eu ganhei um cartão autografado dele por ter participado. Eu tive um autógrafo de um dos meus mangakas favoritos na época, era meu tesouro. E que, dois anos depois, admitiu durante a prisão que sim, ele era pedófilo, ele gostava de meninas, especialmente em idade escolar.


Acho que não consigo descrever para vocês o tamanho da minha dor.


Tive crises de ansiedade e choro. Era impossível olhar para os mangás e o autógrafo na minha estante. Uma coleção que foi cara, que eu lutei muito por cada edição, pois era muito pobre quando comecei a colecionar. Eu e muitos amigos ficamos devastados. Um deles conseguiu conversar pessoalmente com o Watsuki, e ficou muito destruído com a notícia. Vendo minha agonia, e após eu tirar tudo da minha estante pois só de olhar eu queria vomitar, uma amiga se ofereceu em ficar com minha coleção, pois ela conseguia separar o autor da obra. Ela me ofereceu uma nota de R$100 em troca. Nem pensei no dinheiro, só queria me livrar daquilo, tirar da minha casa e "vendi" para ela. Usei o dinheiro para comprar remédios.


Desde então, eu não consigo consumir nem compartilhar nada de Samurai X. Até mesmo a menção que existia ao protagonista dentro da minha Saga Aika foi removida (os primeiros leitores, lá de 2015, sabem qual cena é. A versão impressa não tem mais a descrição do personagem).


A decepção seguinte foi com a autora de Harry Potter, J. K. Rowling, quando ela começou a fazer postagens recheadas de transfobia e apoiar abertamente grupos de extrema direita que perseguem os direitos das pessoas transexuais. Ela apoia financeiramente esses grupos, e algumas pessoas na Internet acusam alguns dos grupos apoiados pela Rowling de serem neonaz1stas.


Essa decepção doeu fundo na minha alma, pois eu via a J. K. Rowling como uma inspiração. Eu, como escritora, pensava em ser como ela. Pensava: “vou criar livros que façam os jovens a serem mais empáticos, como os fãs de Harry Potter. Vou usar o dinheiro para projetos sociais (como a J. K. fez com algumas edições). Gostaria que meus leitores também sejam gentis e apoiem as minorias, como aprendi com Harry Potter”.

Além disso, eu cresci lendo Harry Potter e depois que comecei a trabalhar, adquiri várias roupas e acessórios. Cresci esperando os lançamentos, comentando em fóruns, fazendo amigos e indo a eventos. Acredito que muitos de vocês que estão lendo este texto tenham vivido essa fase.


Bom, essa decepção foi como uma porrada. J. K. Rowling não persegue só pessoas transexuais, com o tempo, vimos ela atacando mulheres que não eram vistas como femininas pela sociedade. Durante a maior parte da minha infância, eu era vista como um menino, fazia cosplay de Inuyasha porque eu conseguia me disfarçar de menino. Além disso, eu tenho muitos amigos trans e luto para que eles tenham seus direitos numa sociedade tão transfobica quanto a nossa. Cada postagem dela me traz tanta raiva, tanta revolta, que eu sentia vergonha de ter sido fã dela. Descobri depois que muitos nomes dados a personagens tinham conotações racistas, coisas que eu não fazia a menor ideia. Alguns grupos judeus afirmam que a representação dos Duendes é baseada em ilustrações antissemitas. Infelizmente, Harry Potter não é uma obra "limpa" como acreditávamos.

Além disso, as postagens da Rowling têm um alcance monstruoso. Ela é bilionária e acha que pode fazer o que quiser. Mas o pior é que muitos concordavam com ela, odeiam pessoas trans (consequentemente me desfiz de muitas amizades). Foi um choque. E a grande maioria dos fãs de Harry Potter preferem ignorar tudo e separar totalmente a autora da obra.


Não consigo ser assim. Minha frustração e decepção serviram de combustível para jogar tudo fora. Muitos amigos queridos fizeram o mesmo. Eu não conseguia parar de pensar em todas as pessoas trans que tenho carinho e amizade, temendo por sua segurança todos os dias. Para mim, vestir Harry Potter não era mais compartilhar o gosto por uma história que fala de amizade, lutar pela justiça, lutar contra qualquer tipo de preconceito. Harry Potter perdeu a magia. Eu não conseguia mais ser feliz lendo ou assistindo Harry Potter, porque eu lembrava da crueldade de sua autora.


No entanto, vários grupos dos quais eu fazia parte seguiram sendo fãs como se nada tivesse acontecido. Havia os que não concordavam com as postagens da autora, mas queriam continuar consumindo, comprando novas edições ou acessório. Quase sempre me dizendo que era preciso separar autor de sua obra.


Bom, como autora, eu não consigo. Isso é minha opinião pessoal. Sei que há escritores extremamente técnicos, que elaboram histórias sem deixar quase nada de seu “eu”. Há técnicas de criação de personagens e roteiros que te ajudam a criar do zero, mas sempre acreditei que algum valor ou característica do autor ficasse em sua obra. Pelo menos, comigo é assim. Sou uma autora bem emocional. Escrevo em momentos de explosão de sentimentos, seja indignação ou felicidade. Aika é uma obra com várias cenas e questões pessoais, sobre como é lidar com traumas e seguir em frente. Os Quatro Dragões, meu livro infantil, é uma adaptação de uma lenda, mas cada ilustração e palavra contém minha paixão por Dragões e todo meu estudo sobre o mito. Meus últimos contos surgiram em momentos de revolta e dor. E meus leitores até gostam quando conto isso. Se identificam. Falam que sou muito humana. Sei que muitos autores admitem serem assim.


Levei essas questões para meu psiquiatra. Ele é especialista em TEPT (transtorno de estresse pós traumático) e atende vítimas de abusos sexuais. Seu tratamento tem me ajudado muito. Quando perguntei se deveria separar o autor da obra, para minha surpresa, ele disse que eu deveria separar no âmbito emocional. Mesmo sendo autora.


Ele me explicou que depois que a obra “sai de nós”, impressa ou ilustrada em livros ou em hqs, transformada em música, pinturas ou filmes, qualquer tipo de criação artística, quando externalizada ela não pertence mais ao autor. Ela se torna um fruto de seu tempo. Porque, quando uma pessoa ler uma obra, ela vai interpretar de um jeito inteiramente dela. Suas memórias, questões pessoais, sociais irão se misturar enquanto ela interpreta aquela história, música ou arte. Uma obra se tornará única para cada pessoa, pois ela vai se misturar ao sub consciente. Por isso há aqueles que se identificam tanto com uma história ou personagem, enquanto que há outros que não sentem nada por eles.


Meu psiquiatra contou que no passado se acreditava em “inspiração divina”, que autores deixavam portas e janelas abertas para “que as musas da inspiração chegassem”. Que o momento de transe em que estamos criando (que alguns chamam de hiperfoco), quando vamos escrevendo ou desenhando, nossa mente vai além. Parece sair do corpo. Para ele, a inspiração vem tanto de fora quanto de dentro.


Não acredito na parte mística, pois sou ateia. Se você acredita, pode te dar um alívio no coração. Contudo, não posso negar que as vezes entro numa especial de transe quando estou escrevendo. Muitos escritores sentem isso. Nessas horas parece que as histórias tomam um rumo próprio, algo além de meu controle. Como se os personagens ganhassem vida. Isso é uma das partes mais legais de criar histórias.


Eu sou muito apaixonado por um mangá chamado Inuyasha. Me identifico muito com o protagonista e sua filha Moroha. Meu psiquiatra disse que a forma com que eu os vejo é diferente de todos os fãs. Por isso me frusto ou me revolto quando alguém os critica. É como se houvesse um Inuyasha concebido pela autora e um Inuyasha criado por mim, fruto da minha interpretação. Esse Inuyasha faz parte de mim, ele é só meu. E pode ser que você sinta algo parecido por algum personagem desses autores.


Curiosamente, essas palavras me lembraram um caso bem pesado para mim como autora. Em 2019 sofri uma série de ataques de leitores da minha saga Aika. Uma minoria do fandom que não aceitava um casal que uni no segundo livro. Foram mensagens bem pesadas e agressivas, alguns ameaçando me matar.


Uma leitora chegou a dizer que “eu havia copiado a história de vida dela, de como a família dela se uniu para separá-la de um grande amor”. As palavras dela me deixaram em choque, pois não tinham absolutamente nada a ver com o que escrevi. Eu não a conhecia aquela leitora pessoalmente! Não tinha como ter me inspirado na vida dela! Eu não sabia nada sobre ela, e mesmo assim, ela se viu na minha obra.


Foi então que as palavras do meu psiquiatra fizeram sentido. A forma com que essa leitora via Aika e Kurikara, os protagonistas dos meus livros, era diferente de como eu criei. Eu não tenho controle sobre a interpretação das pessoas, por mais que eu tente escrever de forma clara sobre cada história e seus personagens. Depois que a Saga Aika saiu de mim, ela não seria a mesma para todo mundo. Cada pessoa deixaria um pouco de seu próprio eu quando lesse. Cada um teria sua própria Aika. Cada um poderia amar de uma forma única.

Isso de certa forma tirou um peso dos meus ombros, tanto como autora quanto como leitora. Conheci livros que trabalhavam essas questões de interpretação, para deixar que o leitor construísse o que faltasse da história do seu jeito.


Logo, ter gostado tanto de Samurai X não faz de mim uma pedófila. Uma pessoa gostar de Harry Potter não faz dela necessariamente uma transfóbica. Logo, você gostar de Sandman ou Coraline não faz de você um predador sexual. E está tudo bem se você ama muito, mas muito mesmo, essas histórias. Está tudo bem se você fazia cosplay, fanart ou se lia muitas vezes por se identificar e admirar. Porque em você há uma versão dessas histórias que não tem o controle de seus autores.


Muitos leitores talvez nunca saibam dos crimes que os autores cometeram, assim como vários autores podem ser criminosos jamais descobertos. Alguns podem deixar pistas em suas histórias e em registros, como o racista Monteiro Lobato. Outros podem parecer inicialmente gente boa, como parecia Neil Gaiman e J. K. Rowling. Não há como ter certeza.


É por isso que tantas pessoas separam as obras de seus autores. Como uma forma de se proteger, de não enlouquecer.


Contudo, meu psiquiatra também deixou claro que não faz sentido continuar apoiando financeiramente esses autores. Afinal, eles são criminosos, e por estarem soltos novas vítimas podem surgir. Eu não conseguiria dormir pensando que meu dinheiro poderia estar envolvido nisso. Apesar de grandes obras terem atores, músicos e dubladores que nada tem a ver com seu autor, parte do seu dinheiro irá para um criminoso. No caso de adaptações como jogos, filmes e séries, penso que os artistas, equipe de produção, atores e dubladores já foram previamente pagos. Logo, eu não preciso dar mais dinheiro para o autores. Ressalto isso porque, nos casos de autores gigantes, com milhões de fãs e influência, seus crimes se tornam ainda piores. Suas opiniões transformam pessoas. Eles podem inspirar outros a cometerem crimes, especialmente se não sofrerem qualquer punição ou perda financeira.


O Nobuhiro Watsuki continua trabalhando na maior revista de Mangás do Japão e Samurai X ganhou um remake em 2024. Infelizmente, no Japão, não há leis rigorosas o bastante para punir criminosos assim. A sociedade é ainda muito machista e cruel com mulheres, por isso, Watsuki está livre. Será que ele usará sua renda de autor para comprar mais pornografia infantil?

J. K. Rowling tem grande influência financeira e política. Se eu comprar uma camiseta da Grifinória, esse dinheiro pode servir para que grupos extremistas tirem os direitos das pessoas transexuais, uma luta que tem piorado ano após ano. Pessoas trans correm reais riscos de vida!

E agora, com as acusações contra Neil Gaiman, como se sentir sabendo que toda a fama e dinheiro dele serviu para silenciar vítimas de violência sexual? Ainda que haja muitas adaptações de suas histórias, elas ainda lhe fornecem dinheiro. E vimos o que ele fez com essa fortuna.


Logo, devemos separar o autor da obra?

Minha resposta é:

Não separe o autor da obra no quesito financeiro.

No quesito emocional, em alguns casos, separe o autor da obra.


Se uma obra como Sandman ou Harry Potter é muito importante para sua vida, se você tem coleção e toda uma comunidade, se você faz cosplay de um personagem desses autores... Separe o autor da obra para você não enlouquecer. Pense que, se você desenhou ou compartilhou, foi a sua forma de ver o personagem. Especialmente se, para você, tal obra falava sobre justiça, igualdade, amizade ou outros valores bons. Valores que você acredita e compartilha.


Agora, depois de respirar fundo e tentar se acalmar um pouco com todo esse choque, pense sobre o futuro.


No quesito de divulgação e financiamento, repito, não separe autor da obra. Reflita se vale a pena usar uma camisa ou fazer uma fanart depois de tais notícias, porque você estará indiretamente divulgando o autor. O que você fez no passado, está de boas, você não tem culpa.


Se você é um divulgador de histórias, se você tem uma comunidade no qual você tenha certa importância, ressalte que o autor é um criminoso e incentive outros fãs a fazer boicote. Pare de comprar qualquer produto relacionado. Se você já tinha uma coleção e ela está conectada ao seu passado, talvez como presente de amigos e que ainda te faz bem de alguma forma, não precisa jogar fora se você se sente bem com ela. Contudo, o certo é que você pare de consumir novas edições. Pirataria nesses casos é totalmente aceitável. Ela pode ajudar no processo de desapego se assim você desejar. Pode levar tempo.


Caso você se sinta como eu, cuja decepção foi maior do que o carinho nostálgico, de um jeito que toda as boas memórias se tornaram em verdadeiro rancor, fique à vontade para jogar fora ou destruir. Sério, jogar fora deu um bom alívio. Ajudou a amenizar a raiva e posso olhar para minha estante em paz. Se for doar ou vender, que seja alguém que não apoia o autor. Além disso, critique qualquer empresa que continue vendendo e distribuindo produtos e adaptações destes autores. Watsuki e Rowling continuam ativos porque muitas pessoas simplesmente ignoram seus crimes, pessoas que não se importam com as vítimas. Temo que com Neil Gaiman aconteça o mesmo, embora, pelas últimas notícias, alguns cancelamentos já estão acontecendo.


Algumas pessoas recomendam que se consuma produção independente como fanarts ou fanfictions. Isso pode te ajudar a lidar com a dor. Afinal, são visões de outras pessoas compatíveis com a sua e sem conexão financeira com o autor. Pessoalmente, não consigo fazer isso, e veja que eu era louca por Harry Potter e Samurai X. Como já é minha quarta decepção, acho que estou de certa forma “vacinada” e consigo apagar tudo do Gaiman da minha existência. Pode ser que para você leve um tempo, e está tudo bem.


A medida em que vamos crescendo, nos tornando adultos, o apego a histórias vai mudando, vai se tornando mais brando. Fica mais fácil olhar para uma obra, apreciar o que ela te traz, e depois “deixar ela ir”. Até para seu próprio bem, cuidado com apego extremo a uma história. Vejo muitas pessoas extremamente apegadas a Harry Potter, como se fossem incapazes de amadurecer e entender que estão financiando uma autora que deseja a morte de pessoas trans, que tem indícios de racismo e fere a comunidade LGBTQIAPN+.

Finalizo por aqui está longa reflexão. Em tempos de crises políticas e vidas em jogo, como a vida de mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, pense bem para onde vai seu dinheiro. Ele pode estar ajudando a extermina-los. Você como fã não tem culpa, mas pode ser de grande ajuda promover o boicote. Não podemos controlar tudo que consumimos, mas podemos tentar um pouco. Cuidado com apegos extremos a obras, autores... A qualquer pessoa! Qualquer coisa em excesso faz mal. E no fim, dói mais no fã do que no autor.




PS: Após jogar as hqs do Gaiman no lixo, enquanto caminhava, fiquei pensando que pelo menos este tipo de desgosto eu nunca darei aos meus leitores...


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